Investidor-anjo rechaça modelo tributário regulamentado pela Receita Federal

Descontentamento e a preocupação de algumas das mais importantes empresas de investimento-anjo e startups com a Instrução Normativa da Receita Federal nº 1.719.

Uma carta elaborada e divulgada logo após o Gramado Summit, evento de empreendedorismo digital realizado na cidade gaúcha homônima entre os dias 10 e 12 deste mês, expôs o descontentamento e a preocupação de algumas das mais importantes empresas de investimento-anjo e startups com a Instrução Normativa da Receita Federal nº 1.719. Publicada em 21 de julho, a medida veio para regulamentar o modelo de tributação sobre os ganhos do investidor-anjo e disciplinar os rendimentos decorrentes do aporte.

O órgão recebeu a atribuição de determinar aqueles aspectos tributários ligados ao segmento a partir da redação dada pela Lei Complementar nº 155/2016 à Lei Complementar nº 123/2006, que dispõe sobre aspectos gerais das micro e pequenas empresas e do Simples Nacional. A instrução estabeleceu a tributação aplicável aos ganhos obtidos por investidores-anjo em microempresas ou empresas de pequeno porte.

A Lei Complementar nº 155 representou um importante avanço, na opinião dos especialistas, ao reconhecer a figura do investidor-anjo, já que, até então, os contratos de investimento de startup tinham de lançar mão de um contrato de mútuo conversível. O investidor precisava se tornar sócio ou credor para poder fazer um aporte financeiro na empresa nascente.

Além disso, destaca a diretora executiva da Anjos do Brasil e fundadora do Mulheres Investidoras Anjo (MIA), Maria Rita Spina Bueno, a LC trouxe segurança patrimonial ao investidor. “A lei distingue a figura do investidor da figura do sócio, fazendo com que não corra o mesmo risco caso a empresa contraia dívidas ou entre em processo de recuperação judicial e falência”, explica a especialista.

Contudo, quando se fala sobre a decisão da Receita Federal sobre questões tributária, a realidade não é a mesma. Para Maria Rita, “a Receita deixou de estimular o investimento, indo na contramão do paradigma adotado na grande maioria dos países”. A Carta de Gramado, elaborada em conjunto por cerca de 30 investidores, explicita o desejo por “dialogar quanto à pertinência da tributação sobre investimento de risco e apresentar alternativas viáveis para que, ao invés de sermos punidos e enfrentar bloqueios no exercício de uma atividade fundamental ao desenvolvimento do empreendedorismo de alto impacto no País, possamos ter condições justas e atuar sob condições menos hostis”.

A nova instrução normativa disciplina o imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos decorrentes desse aporte de capital. De acordo com o texto, a alíquota incidente sobre o valor resgatado irá variar de acordo com o tempo do contrato. O imposto incidirá sobre os rendimentos, entendidos como a remuneração periódica a que faz jus o investidor-anjo (resultados distribuídos) e ao ganho no resgate do aporte. A cobrança de impostos varia entre 15% e 22,5% sobre o investimento.

Os percentuais de Imposto de Renda estabelecidos pela Receita vão de 15%, para contratos de participação com prazo superior a 720 dias, a 22,5%, naqueles com prazo de até 180 dias. As taxas incidem sobre o rendimento do aporte feito inicialmente, ou seja, a diferença entre o valor a ser resgatado e o que foi aplicado inicialmente. Para completar, o direito ao resgate do valor do aporte só poderá ser exercido, no mínimo, após dois anos ou em prazo superior estabelecido no contrato de participação.

Essa decisão, segundo o sócio do escritório Souto Correa Advogados Giácomo Paro, ficou bem aquém do esperado para o setor. “Se você compara esse modelo de tributação colocado pela instrução normativa com a tributação dos ganhos quando você usava os instrumentos de dívida, vê que o ideal é continuar se tornando sócio ou credor. O que se esperava é que a IN viesse com uma tributação no mínimo igual ou mais benéfica do que o que existe de tributação hoje pra investimento direto ou para instrumento de dívida, exatamente para estimular esse investimento-anjo”, complementa Paro.

A tributação sobre dividendos ainda é a mais vantajosa, e dificilmente os investidores conseguirão arcar com uma carga tributária maior apenas para aderir às novidades, dizem os especialistas. “Talvez seja melhor começar um negócio em que eu receba na forma de dividendo mesmo. A ideia da lei era de trazer incentivos e oferecer investimentos mais baratos, mas não foi o que aconteceu”, lamenta o sócio do escritório Xavier Advogados Cristiano Diehl Xavier.

No caso da pessoa física que desejar investir em uma startup, a alíquota sobre Imposto de Renda é recolhido na fonte de maneira definitiva, ou seja, o investidor tem o ganho, recolhe o imposto de acordo com a alíquota regressiva e não precisa recolher mais Imposto de Renda. “Não precisa juntar esses ganhos com os demais obtidos ao longo do ano para fazer o ajuste e pagar mais Imposto de Renda quando faz a declaração”, explica Giácomo Paro.

No caso das pessoas jurídicas é diferente, salienta Paro. “Os rendimentos que elas auferem dos investimentos-anjo somam-se aos rendimentos normais da empresa para serem tributados de acordo com o seu regime de tributação”, diz o advogado.

Uma empresa que decida investir irá sofrer a incidência da tributação em alíquotas regressivas somente a título de antecipação, pois aqueles ganhos terão de compor a base de tributação. Após, a empresa poderá descontar o imposto recolhido na fonte, de acordo com a instrução normativa.

Com a nova legislação, existe a possibilidade de fazer um contrato de participação na sociedade investida com vigência não superior a sete anos. O investidor-anjo poderá resgatar o valor do investimento depois, no mínimo, dois anos após o aporte de capital, e fica determinado que o investimento não compõe o capital social da sociedade investida. O investimento-anjo pode ser feito por pessoas físicas ou jurídicas, inclusive fundos de investimento.

 

Fonte: jcrs.uol.com.br

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